Irmandade

“Comportamento como de irmãos” é assim que a expressão “irmandade” foi definida pelo Padre Raphael Bluteau, autor do Vocabulário Português e Latino, publicado em Coimbra entre 1721 e 1728. O sentido atribuído ao termo nos remete a uma das mais caras intenções que levaram os soldados que serviam nos terços da Capitania de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1623, a fundar a Irmandade da Santa Cruz dos Militares (ISCM). O objetivo consistia em construir uma capela, um espaço religioso que possibilitaria o convívio entre Irmãos.

O Capitão–Mor Martim de Sá, então Governador da Capitania e primeiro Provedor da associação, solidário a estes ideais, cedeu à Irmandade um terreno onde havia um pequeno forte em ruínas, o Forte de Santa Cruz. Concluído em 1628, o pequeno templo da Irmandade teve origem no desejo dos soldados em possuir um local para realizarem os seus cultos religiosos, sepultarem os seus mortos, acolherem suas viúvas e órfãos.

Há registros que indicam que o primeiro Compromisso (Estatuto) da Irmandade da Santa Cruz dos Militares é de 1700, ocasião em que recebia o nome de Irmandade da Santa Vera Cruz. Um novo Compromisso foi aprovado, confirmado pelo Imperador D. Pedro I e registrado em 28 de agosto de 1830. Neste documento, a ISCM elege como seus fins: prestar devoto culto ao sinal da nossa redenção; dar sepultura aos corpos e sufrágio às almas dos irmãos finados e socorrer com caridade cristã a viuvez das consortes, e a orfandade de suas imediatas proles (…).

Documento assinado pelo duque de Caxias, na função de Provedor em 1871. Acervo ISCM.

Cruz do Calvário – Símbolo da Irmandade da Santa Cruz dos Militares. Compromisso da ISCM. 1853. Desenho em bico de pena. Acervo ISCM.

Compromisso da ISCM. 1830. Acervo ISCM.

Orientados por estes objetivos, neste espaço privilegiado de sociabilidade, os Irmãos construíram a sua identidade a partir de valores comuns ligados ao Cristianismo, ao amor à farda e à proteção das pessoas mais vulneráveis. O Patrono do Exército, Marechal Luiz Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, Provedor da Irmandade por duas vezes (1847/1848 e 1870/1871), expressa muito bem o que a instituição representa para o grupo, quando revela o seu sentimento de pertencimento, por meio destas palavras:

“Sinto sempre a maior satisfação quando me vejo reunido a distintos camaradas, que por mais de um título, merecem minha consideração: os laços da espada nos une, as lides da guerra nos ligam e os braços da Cruz nos abrigam.” (Relatório da ISCM. p. 3. 1871. Acervo ISCM)

Na sua trajetória, a Irmandade passou por diversas mudanças, sem contudo, deixar para trás os seus objetivos essenciais. Oferecia, no início da sua fundação, pensões caridosas, típicas da sociedade colonial, que se transformariam em pensões compromissórias. Hoje em dia, com propostas adequadas aos novos tempos, ampliou a sua atuação na área da assistência social.

Outro capítulo desta história, pode ser contado por meio da atuação das mulheres, que sempre estiveram presentes na Irmandade. Durante mais de um século, eram as mulheres da sociedade civil, muitas das quais, esposas dos Irmãos, que constituíam as Devoções da Nossa Senhora da Piedade, da Nossa Senhora das Dores e de São Pedro Gonçalves. Participaram ainda, de maneira ativa, como Irmãs honorárias. E, em 2014, a Irmandade da Santa Cruz dos Militares passa a ter, nas suas fileiras, Oficiais do Exército Brasileiro pertencentes ao segmento feminino, consolidando uma aspiração antiga dos seus confrades.

Da caridade cristã às ações de beneficência, a Irmandade da Santa Cruz dos Militares sempre teve vocação para a solidariedade. No começo, em tempos de guerra, amparando, especialmente, viúvas e órfãos dos militares. Em tempos de paz, voltando a sua atenção para a assistência social, apoiando grupos sociais menos favorecidos.

Constantemente se reinventando, a associação completará 400 anos de existência, em 2023, com objetivos preservados, metas estabelecidas e sonhos renovados.

1. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico … Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 – 1728. 8 v. Disponível em: www.archive.org Consultado em: 24/02/2015.